quinta-feira, 9 de março de 2023

Em meio à prostituição: rede de solidariedade, proteção e identidade das judias ‘polacas’

 

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Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Proteger, ajudar e preservar a identidade judaica de mulheres “polacas” (como prostitutas judias eram denominadas no Brasil) que vinham do leste europeu para trabalhar no mercado da prostituição, no Brasil, é o tema em “Baile de Máscaras – Mulheres Judias e Prostituição”, (Imago Editora, 260 pág.) da historiadora Beatriz Kushnir. No Dia Internacional da Mulher, relembrar histórias ou mesmo descobrir um recorte de força feminina, para além da miséria humana das relações de exploração na sociedade moderna, vale enquanto contribuição e legado.


A historiadora Beatriz Kushnir luta para que histórias como as das ‘judias polacas’ sejam preservadas como memória (Reprodução/polacas.blogspot.com)

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, Beatriz Kushnir falou sobre o contexto histórico de sua pesquisa, preconceito e resistência diante de adversidades. “Meu trabalho, fruto de minha dissertação de mestrado em História, na Universidade Federal Fluminense (UFF), não é sobre a exploração sexual das mulheres. O estudo busca compreender como um grupo de mulheres e homens imigrantes, fugindo da miséria e da perseguição antissemita, construiu para si, sociedades de ajuda mútua que os auxiliassem a viver as dificuldades em terras distantes.

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De acordo com Beatriz, tratava-se da realidade de um século passado, com contextos econômicos e sociais diferentes e adversos na Europa pré, primeira, durante e pós, segundas grandes guerras. “Eram homens e mulheres oriundos do leste europeu e que se dirigiram tanto ao Ocidente como ao Oriente. O título do trabalho, baile de máscaras, sintetiza a minha abordagem: num baile como esse, o importante é o seu final, quando identidades são reveladas. Eu quis compreender o universo privado de mulheres tidas como públicas”, detalhou.

Os pôsteres ou portraits’ eram uma forma de publicizar as mulheres e os estabelecimentos voltados para o ‘entretenimento masculino’ (Reprodução/polacas.blogspot.com)

Falência

Kushnir faz uma crítica sobre inclusão e mercado de trabalho. “A prostituição é a exposição da falência de inclusão de uma massa de trabalhadores. Ou seja, ninguém opta por estar no mercado da prostituição. Isto acontece porque as pessoas que ali estão não possuem, infelizmente, formação profissional e educacional regular que lhes permitisse estarem inseridas no mundo do trabalho em outra posição. Há, claro, toda uma literatura que, se baseada no filme ‘A Belle de jour’, tenta glamourizar este universo”, observou.

No recorte histórico abordado por Beatriz Kushnir, o antissemitismo (ódio aos judeus) tem papel preponderante. “É importante compreender que os homens e mulheres judeus que estavam envolvidos com a prostituição, desde o leste europeu, eram alijados do mundo fabril e educacional. Já que não era permitido, aos judeus, frequentar universidade, seus estudos eram comunitários. Eram famílias numerosas vivendo em pequenas aldeias que estavam economicamente em crise. Além disto, eram frequentes as violências a que eram submetidos por serem judeus”, salientou.

Com tamanhas barreiras, restou o caminho da prostituição como meio de sobrevivência.”Neste sentido, a prostituição foi um caminho possível para sair daquele universo de pobreza. Precisamos lembrar também que mulheres e homens se tornaram donos de bordel. Portanto, é importante que haja uma desmistificação dessa história, colocando em oposição homens e mulheres. Muitas delas sabiam, exatamente, para onde estavam vindo e o que fariam. Muitas delas já eram prostitutas no leste europeu”, afirmou.

Estúdios do século passado trabalham o nu feminino de forma artística, com uma estética voltada a não chocar a sociedade conservadora da época (Reprodução/polacas.blogspot.com)

Bordéis

“Há um estudo dos anos de 1980 demonstrando que a maioria dos bordéis no leste europeu pertencia a judeus. O interessante desse assunto foi o viés que abordei. É demonstrar como estes homens e mulheres, para onde foram, no mundo inteiro, desejaram se manterem judeus. Para tal, construíram associações de ajuda mútua, cemitérios e sinagogas próprios. Assim, continuaram judeus como uma forma de diferenciar o mundo do trabalho do universo privado”, destacou a pesquisadora.

Amazônia

Questionada se as “polacas” chegaram à Amazônia, Beatriz respondeu: “Investiguei o universo das polacas no eixo Rio/São Paulo. Mais tarde, soube de mulheres judias na prostituição, em Manaus, como comprovam algumas lápides encontradas. Trabalhei com a documentação interna das associações delas no eixo Rio/São Paulo, e uma última ata da associação de Santos. Ali não vi qualquer referência ao universo amazônico. Então, o que posso concluir é que das mulheres e homens que circunscreveram a minha pesquisa não houve qualquer registro de suas transferências para a Amazônia”, revelou.

O que não quer dizer que elas não estiveram em terras nortistas. “Não conheço qualquer trabalho que tenha localizado uma associação de ajuda mútua de polacas, em Manaus, às quais eu encontrei no eixo Rio/São Paulo. O que me leva a concluir que era em número diminuto. Neste sentido, e de forma muito empírica, posso concluir, aqui, que as mulheres judias que chegaram à Amazônia para trabalhar como prostitutas, o fizeram de maneira individual. Certamente, por perceber que o universo de exploração da Amazônia e da borracha permitiria um fluxo de capital que, talvez, não encontrasse no sul e sudeste do País”, comentou.

A obra de Beatriz Kushnir traz personagens que eram mulheres que cuidavam das outras em redes de ajuda mútua. Eram ‘As Irmãs Superioras’ (Reprodução/polacas.blogspot.com)

Atualidade

Ao final da entrevista, Beatriz Kushnir ponderou sobre a sociedade brasileira. “Ainda vivemos numa sociedade em que homens e mulheres, que trabalham numa mesma função, recebem remunerações diferenciadas. A cultura autoritária e reacionária da sociedade brasileira apenas veio escancaradamente mais à tona com o golpe de 2016. A luta por uma sociedade mais igualitária está só começando. Entretanto, é preciso cultivar entre as mulheres a sororidade. Muitas vezes, mulheres discriminam mulheres no ambiente de trabalho e se aliam a chefes homens no intuito de uma promoção individual”, lamentou.

Kushnir fala das urgências sociais brasileiras. “Precisamos iniciar, para ontem, a tarefa de reeducar os homens a nossa volta, sejam eles filhos, esposos, irmãos, colegas de trabalho, etc. O importante é perceber que não podemos dividir a sociedade numa oposição entre homens e mulheres. Ninguém ganha com este acirramento. Acredito, sim, que há muito que se comemorar no dia 8 de março. Devemos celebrar as que vieram antes de nós e, com suas lutas, permitiram que na dor pudéssemos ter uma data para refletir sobre os lugares das mulheres na sociedade contemporânea”, finalizou.

Resumo

Publicado no Brasil sobre a prostituição judaica. Conhecidas como polacas, essas mulheres deixaram uma marca no folclore urbano brasileiro, embora o total de prostitutas e cáftens judeus que aqui chegaram, entre 1867 e o final da década de 30, não passe de 2 mil. Mais importante do que o número, é a rejeição que este grupo sofreu por parte da comunidade judaica mais ampla, intransigente em seus valores morais. Num momento histórico em que os imigrantes judeus lutavam contra o preconceito da sociedade como um todo, era fundamental deixar claro que os envolvidos com a prostituição, eram marginais da comunidade.

Registro fotográfico de uma ‘polaca’ enterrada no cemitério judaico construído pela rede de ajuda entre elas. Essas redes garantiam acesso às práticas judaicas (Reprodução/polacas.blogspot.com)

Por isso, não se permitia que participassem de instituições como sinagogas, clubes ou sociedades beneficentes. Nem, sequer, se permitia que fossem sepultados nos cemitérios dos outros judeus. As polacas e seus cáftens, assim, criaram, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Santos, sociedades de beneficência e ajuda mútua independentes, organizadas, exatamente, nos mesmos moldes das que sempre foram características das comunidades judaicas em todo o mundo.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Polacas no PodCast Enredo Cultural

Luis Carlos Magalhães e Beatriz Kushnir


As polacas sempre me voltam. 
Ou felizmente, nunca se vão. 
Em um dia histórico como o #8M2023, aconteceu esse bate papo.